Abadia de Genesee, Nova York, EUA - 25/01/2025
Homilia pronunciada pelo Padre Isaac, OCSO, que foi o enfermeiro de Dom Bernardo nestes últimos cinco anos.

"Minha alma está privada de paz;
Esqueci o que é felicidade;
Então eu digo: 'Minha glória se foi,
E tudo o que eu esperava do Senhor.'
O pensamento da minha aflição e da minha falta de moradia
É absinto e fel!
Minha alma pensa nisso continuamente
E está curvada dentro de mim." (Lm 3,17-20)
Esses versos do Livro das Lamentações falam apropriadamente do que Dom Bernardo tantas vezes sentiu em seus últimos anos. Ele tinha 70 anos, era um talentoso líder espiritual e escritor, um professor requisitado com anos de amizades, viagens e a previsão de um ministério frutífero ainda pela frente, quando, de repente, tudo foi varrido. Ele foi atingido pelo início repentino e violento de uma doença cerebral (demência por corpos de Lewy) que rapidamente tomou conta de sua vida.
Imagine seus músculos ficando mais rígidos a cada dia que passa, de modo que até mesmo andar se tornou difícil. Imagine o que seria a sua mente no meio de um colapso nervoso... que, em vez de passar em um ou dois meses, continuava e continuava.
Quando chegava ao ponto de ser demais para ele, como costumava acontecer, todo o seu corpo e mente se fechavam como um punho, e ele congelava, paralisado por um pavor esmagador. Seus sintomas flutuavam descontroladamente entre pânico e inércia, e os poucos dias bons eram rapidamente engolidos por uma apatia implacável. Além disso, imagine o que seria passar por tudo isso longe da sua comunidade, da cultura que ele havia assumido, ou seja, ele estava hospedado entre estranhos.

Embora eu fosse o último a suavizar o que Padre Bernardo suportou, parecia que, enquanto sua natureza exterior, na frase de Paulo (cf. 2Cor 4,16), estava claramente se definhando, havia sinais sutis de uma renovação interior, dia a dia. Ao longo de cinco longos anos, o pânico se tornou menos frequente e extremado, e ele ficou um pouco contente. Apesar de não conseguir se concentrar para ler ou orar, e frequentemente também não conseguia falar, passava muitas horas sentado: alerta, paciente, impotente em si mesmo, mas “esperando em silêncio pela salvação do Senhor” (Lm 3, 26).

Para encontrar Deus em meio a um grande sofrimento, precisamos de um olhar de fé. Não olhar para o que pode ser visto, mas para o invisível (cf. 2Cor 4, 18); ou, poderíamos dizer, olhar para o que pode ser visto à luz do invisível... como o centurião no Evangelho que viu o terrível abandono de Jesus e declarou: “Este homem era o Filho de Deus” (Mc 15, 39).
Mesmo que Dom Bernardo muitas vezes achasse difícil ter esperança ou lembrar da bondade do Senhor, mesmo que ele se sentisse às vezes abandonado, como Cristo na cruz, o amor inabalável do Senhor por ele nunca cessou e suas misericórdias não chegaram ao fim, nem mesmo agora (cf. Lm 3, 22). Essa fidelidade é vista mais claramente à medida que nosso ser exterior se esgota, pois a força se mostra na fraqueza (cf. 2Cor 12, 9). Em Jesus crucificado, Deus entrou até os confins mais distantes de nossa miséria e alienação para que pudéssemos conhecer seu amor por completo, até as raízes.
As misericórdias do Senhor chegam até nós “dia após dia”, frescas e novas a cada manhã (cf. Lm 3,23), nunca obsoletas ou previsíveis, e impossíveis de armazenar para o futuro, como o maná. Não podemos nos apegar às misericórdias passadas ou ficar presos em expectativas de como o futuro deveria ser. A graça de Deus é sempre a graça do momento, deste momento, aqui e agora — mesmo quando isso significa uma aflição devastadora... uma aflição que, de alguma forma, pelo misterioso desígnio de Deus, está nos preparando para um peso eterno de glória (cf. 2Cor 4, 17).

O próprio Dom Bernardo me disse que o sintoma que ele achou mais difícil foi o “mutismo” que o deixou incapaz de falar. Mais de uma vez eu o vi conversando ao telefone com um amigo ou ente querido — conversas que lhe trouxeram tanta alegria e encorajamento — e então, poucos minutos depois, sem palavras e cheio de pavor. Ele era tão comunicativo — encantador, um contador de histórias, um comediante — que, para ele, perder a capacidade de falar era especialmente doloroso. Certa vez, quando ele mal havia dito uma palavra por talvez seis ou sete meses, ele indicou que gostaria que eu lesse algo para ele e selecionou o Prelúdio de William Wordsworth (1770–1850). Comecei a ler e parei depois de algum tempo para ver se ele queria que eu continuasse. Ele gesticulou para que eu prosseguisse e, depois de cerca de quarenta e cinco minutos, ele começou a falar. Foi como uma espécie de milagre. Ele falou por três horas, tocando em tudo o que era mais delicado e difícil em sua condição.
Ele tinha um senso aguçado do absurdo e um ótimo senso de humor. No início de sua doença, ele começou a falar sobre “Oblómov”. Oblómov, ao que parece, é o anti-herói de um romance cômico russo do século XIX de Ivan Aleksandrovich Goncharov (1812–1891), sobre um aristocrata russo extremamente preguiçoso que não consegue fazer nada ou tomar decisões triviais. Ele é a personificação do homem supérfluo. Ele leva as primeiras cinquenta páginas do romance para sair da cama e ir para uma cadeira. O fato de Dom Bernardo estar se comparando a Oblómov me pareceu muito engraçado — ridículo e, ainda assim, de certa forma apropriado. Um amigo de Oblómov em certo ponto diz ao protagonista que ele está sofrendo de “Oblomovite” — e Dom Bernardo e eu gostávamos de confundir seus vários médicos sugerindo que achávamos que esse poderia ser o problema dele. O que eles achavam? Oblomovite aguda? Eles tinham ouvido falar desta condição?
Mais do que apenas um traço de personalidade cativante, o senso de humor de Dom Bernardo — parte do que fez dele um palestrante e mestre de retiros tão requisitado — era um recurso espiritual que, às vezes, lhe permitia transcender até mesmo as angústias mais amargas.

Nascido judeu, filho talentoso de um pai problemático e exigente, Bernardo converteu-se ao catolicismo na adolescência, uma decisão que criou uma terrível ruptura — tanto com seu pai quanto consigo mesmo. Uma de suas principais preocupações durante sua doença era como reconciliar seu judaísmo e seu cristianismo. De fato, em nossa última conversa real, apenas algumas semanas antes de morrer, foi sobre isso que ele falou. Embora ele possa não ter conseguido resolver essa tensão, ele se reconciliou com seu pai muitos anos atrás e aproveitou bem a amizade que se desenvolveu entre eles. Que ele tenha escolhido o perdão em vez do ressentimento, apesar de tanto sofrimento, me parece um sinal claro tanto da graça em ação em sua vida quanto de sua bondade básica como homem.
Depois de alguns anos como jesuíta, ele entrou na Abadia de São José em 1982, onde serviu como mestre de noviços por um tempo antes de sua eleição como superior de Novo Mundo, a casa-filha de Genesee no Brasil. Foi uma missão assustadora e solitária, especialmente no início. Ele serviu lá por 24 anos, plantou as sementes da boa prática monástica e tocou a vida de muitas pessoas. Poucas horas após a morte de Dom Bernardo, Novo Mundo elegeu com sucesso seu primeiro abade brasileiro — um momento decisivo em sua vida — e a vitalidade e devoção daquela comunidade são o melhor testemunho da generosidade e dedicação de Dom Bernardo.
Como escreveu um monge de Novo Mundo: “Dom Bernardo foi enviado a uma comunidade que, sem sua presença, teria fechado... ele mergulhou na vida dos brasileiros. Ele aprendeu sua língua, cultura, sensibilidade, humor e coração. Por meio de grande dedicação, sofrimento e doação, ele nos levou a nos tornarmos uma abadia.”

Mesmo em meio a grandes dificuldades, e especialmente por causa das grandes dificuldades, as misericórdias do Senhor são novas a cada manhã, sempre frescas. De uma forma às vezes oculta e sutil, ele renova nossa natureza interior enquanto nossa natureza exterior se esgota — sua graça nos permite estar totalmente presentes na aflição, a nossa e a dos outros... buscar o Senhor ali, bem no coração do sofrimento, e “esperar em silêncio por sua salvação” (Lm 3,26).

Em nosso mosteiro, celebramos uma missa exequial no mesmo dia 25/01, às 15h. No link a seguir está a homilia de nosso abade, Dom Estêvão, OCSO.